A POMBA DA PAZ
O dia era nublado ameaçando o sol brilhar no firmamento, num dia de atividades e trabalhos normais no Rio de Janeiro.
Em meio à violência e à poluição sem controle, o carioca não muda o
semblante de um povo que não enjeita momentos de pura alegria.
Botequins sempre lotados e os famosos barzinhos das esquinas da vida
servindo no balcão: caninha, chope e uísque. O assunto mais discutido e
comentado é sempre o futebol, onde nunca se chega a uma conclusão,
contudo, todas as cores se confraternizam num brinde à cidade
maravilhosa!
Um assunto, no entanto, fora levado a
conhecimento de todos com o falecimento do Cardeal Dom Eugênio de Araújo
Sales, também Arcebispo do Rio de Janeiro por trinta anos de bons
serviços prestados aos católicos e ao povo brasileiro em geral.
A notícia chegou rápida e teve quem comentasse sentado no tamborete do
bar que, nos idos dos anos setenta, em pleno regime militar brasileiro,
Dom Eugênio Sales teve a coragem cívica de socorrer e acolher cerca de
cinco mil perseguidos pelo Cone Sul. Oitenta apartamentos foram locados
pela Arquidiocese até que os refugiados conseguissem ajuda para o
repatriamento. Por este motivo, chegou a ser chamado pela turma
repressora de órgãos de informação do governo militar de “bispo
vermelho”.
Nos mais recentes tempos, o Cardeal fora também
conhecido pelo “homem forte da Igreja Católica”, sendo porta-voz do Papa
João Paulo II, lhe sendo atribuída a missão de trazer a mais alta
autoridade católica ao nosso país, nas duas visitas ao Brasil.
Sabedor do falecimento, o voluntário da Cruz Vermelha, Gilberto de
Almeida, ao passar num Pet Shop no Engenho do Meio, se lembrou de Dom
Eugênio e comprou uma pombinha branca, como símbolo de uma pessoa do
bem, levando-a até o velório.
As portas da Catedral do Rio de
Janeiro estavam escancaradas! O caixão do Cardeal norte-riograndense
colocado no centro da nave cotejado por militares perfilados em farda de
gala, numa reverência ao destacado homem público.
Gilberto
chegou meio assustado com as formalidades de chefe de estado e o rito do
encomendamento do corpo do bondoso padre, aproximou-se tímido e
devagarzinho, com a pombinha branca na mão. Lenta e respeitosamente foi
estirando seu braço até colocá-la em cima do caixão!
A linda
ave ficou paralisada, como se estivesse numa missão a cumprir. Os olhos
das pessoas presentes ficaram vidrados na inusitada cena de puro amor!
Com o término das exéquias, a pombinha branca fora retirada de cima
caixão e, delicada e suavemente, fora alçada aos ares sob o olhar de uma
multidão envolvida em lágrimas de adeus.
A figurinha branca
voou de um lado para o outro, e quando o corpo fora colocado em cima de
uma viatura do Corpo de Bombeiros, ela deu mais uma volta nos ares e,
tremulando suas penas ao sabor dos ventos, continuou sua homenagem
pousando no caixão.
A pomba branca da paz, na singeleza do seu gesto, prestou a maior homenagem que o homem não conseguiu fazer!
MARCOS SOUTO MAIORAdvogado e desembargador aposentado
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