CRIANÇA NÃO MENTE!

BLOG DE WILLIAM SANTOS | 6/26/2012 03:28:00 PM | 0 comentários

Fui criança muito observadora, trelosa e conversadora também. Quando avistava gente grande, na casa de papai, logo encostava para ouvir as conversas de assuntos, que às vezes até nem entendia. Mas fazia questão de ouvir...
Marcos Antônio vá brincar porque quero conversar com seu Zé Lins uns assuntos do DNOCS! Ordenava meu saudoso pai, referindo-se ao seu amigo, colega de trabalho e vizinho da rua Santos Dumont, em João Pessoa.
Afastava-me um pouco, mas ficando no grande terraço da lateral da casa que morávamos, onde todos ficavam nas horas de lazer. Aí ia devagarzinho escorregando os pés descalços, para não fazer barulho e, quando alguém pigarreava advertindo minha impertinência, passava ligeiro para a sala de refeições. Porém, depois voltava insistentemente!
A curiosidade das crianças é coisa muito natural, contudo, nem sempre compreendidas e toleradas pelos pais em dividir conversa com meninos ao redor.
Já adulto e com filhos, num veraneio animado na praia de Camboinha, onde era costume as famílias se entrelaçarem com frequentes visitas, rolavam conversas amenas e sobre as mesas, acompanhadas de tira-gosto, bebericar cerveja, “estupidamente gelada”, o uísque com gelo e até degustação de um bom vinho.
Num belo sábado de muito sol, chamei a turma lá pra casa e depois de posta a mesa, anunciei que minha cozinheira tinha preparado um prato especial e sofisticado a ser servido logo logo.
Em poucos minutos, lá vem a chef Lúcia Helena com luvas ensacadas nas mãos, para não se queimar com as panelas, e um avental novo com desenhos praeiros. O cheiro incensando o ar, vindo das praias, acendeu o nariz dos presentes. Está aí a novidade, que disse que seria servida hoje. É um prato de frutos do mar denominado “Sinfonia Marítima” com camarão, peixe, lagosta, lula (não confundir com o ex), marisco, siri, muita verdura e batata inglesa, tudo regado com muito azeite e tempero especial!
Elogiei em tom de homenagem minha cozinheira quando, inesperadamente, meu filho Hiltinho, aí por volta dos seus dez anos, se aproximou da mesa e soltou o verbo: Oxênte painho, e essa comida não foi aquela que sobrou do jantar de ontem no restaurante Bargaço?
A risadagem e gozação foram unânimes e eu fiquei com a cara mexendo!
Como sempre existe um dia atrás do outro e uma noite no meio, Francisco Barreto Neto, vizinho e grande criador de carneiro, me prometeu abater um bichinho para provarmos a qualidade. O filho dele, Gabriel, me chamava de tio e eu lhe abastecia escondido tira-gosto sob protestos do pai.
No fatídico dia, Gabriel já me esperava no portão e, depois da bênção de todo tio, em tom de deboche e brincadeira, disse para todos ouvir: Ei Gabriel, finalmente teu pai vai pagar a promessa de receber num jantar para amigos. Qual o cardápio?
A resposta veio na ponta da língua: Tio Marcos, a comida de hoje é CARNEIRO ATROPELADO, que um trator da fazenda bateu nele...
Não deixei que Barreto brigasse com o inteligente filho Gabriel que deu uma bela lição aos demais meninos daquela saudosa época e comemos à vontade.
Afinal, ninguém duvide, porque criança não mente!

MARCOS SOUTO MAIOR (*) 
(*) Advogado e desembargador aposentado

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