CRIANÇA NÃO MENTE!
Fui criança muito observadora, trelosa e conversadora também.
Quando avistava gente grande, na casa de papai, logo encostava para
ouvir as conversas de assuntos, que às vezes até nem entendia. Mas fazia
questão de ouvir...
Marcos Antônio vá brincar porque quero
conversar com seu Zé Lins uns assuntos do DNOCS! Ordenava meu saudoso
pai, referindo-se ao seu amigo, colega de trabalho e vizinho da rua
Santos Dumont, em João Pessoa.
Afastava-me um pouco, mas
ficando no grande terraço da lateral da casa que morávamos, onde todos
ficavam nas horas de lazer. Aí ia devagarzinho escorregando os pés
descalços, para não fazer barulho e, quando alguém pigarreava advertindo
minha impertinência, passava ligeiro para a sala de refeições. Porém,
depois voltava insistentemente!
A curiosidade das crianças é
coisa muito natural, contudo, nem sempre compreendidas e toleradas pelos
pais em dividir conversa com meninos ao redor.
Já adulto e
com filhos, num veraneio animado na praia de Camboinha, onde era costume
as famílias se entrelaçarem com frequentes visitas, rolavam conversas
amenas e sobre as mesas, acompanhadas de tira-gosto, bebericar cerveja,
“estupidamente gelada”, o uísque com gelo e até degustação de um bom
vinho.
Num belo sábado de muito sol, chamei a turma lá pra
casa e depois de posta a mesa, anunciei que minha cozinheira tinha
preparado um prato especial e sofisticado a ser servido logo logo.
Em poucos minutos, lá vem a chef Lúcia Helena com luvas ensacadas nas
mãos, para não se queimar com as panelas, e um avental novo com
desenhos praeiros. O cheiro incensando o ar, vindo das praias, acendeu o
nariz dos presentes. Está aí a novidade, que disse que seria servida
hoje. É um prato de frutos do mar denominado “Sinfonia Marítima” com
camarão, peixe, lagosta, lula (não confundir com o ex), marisco, siri,
muita verdura e batata inglesa, tudo regado com muito azeite e tempero
especial!
Elogiei em tom de homenagem minha cozinheira quando,
inesperadamente, meu filho Hiltinho, aí por volta dos seus dez anos, se
aproximou da mesa e soltou o verbo: Oxênte painho, e essa comida não
foi aquela que sobrou do jantar de ontem no restaurante Bargaço?
A risadagem e gozação foram unânimes e eu fiquei com a cara mexendo!
Como sempre existe um dia atrás do outro e uma noite no meio,
Francisco Barreto Neto, vizinho e grande criador de carneiro, me
prometeu abater um bichinho para provarmos a qualidade. O filho dele,
Gabriel, me chamava de tio e eu lhe abastecia escondido tira-gosto sob
protestos do pai.
No fatídico dia, Gabriel já me esperava no
portão e, depois da bênção de todo tio, em tom de deboche e
brincadeira, disse para todos ouvir: Ei Gabriel, finalmente teu pai vai
pagar a promessa de receber num jantar para amigos. Qual o cardápio?
A resposta veio na ponta da língua: Tio Marcos, a comida de hoje é
CARNEIRO ATROPELADO, que um trator da fazenda bateu nele...
Não
deixei que Barreto brigasse com o inteligente filho Gabriel que deu uma
bela lição aos demais meninos daquela saudosa época e comemos à
vontade.
Afinal, ninguém duvide, porque criança não mente!
MARCOS SOUTO MAIOR (*)
(*) Advogado e desembargador aposentado
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